História do Beirú

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Publicada no primeiro número do jornal, lançado em novembro de 2002 

 

A história do Beiru se confunde com a história dos cultos afro, terreiros e, principalmente, com a história do seu primeiro morador – Miguel Arcanjo. Beiru foi um negro escrevizado, comprado pela família Hélio Silva Garcia. Ele herdou as terras antes pertencentes aos seus donos, hoje equivalente a área ocupada pelo Beiru, que gira em torno de 1 milhão de metros quadrados de área.

Essas terras, após a morte de Beiru, voltaram à posse da mesma família de origem, já que “Preto Beiru” como era chamado, não tinha herdeiros libertos. Os Hélio Silva Garcia, em gratidão a Beiru, resolveram homenagear-lhe dando o nome Beiru à sua fazenda, como consta na escritura da fazenda datada do final do século XIX.

As terras foram então vendidas a Miguel Arcanjo, primeiro residente da área. Anos mais tarde ele viria a fundar um terreiro de candomblé no local onde situava-se a casa grande da Fazenda Beiru. A venda das terras datam de 1910. Foi assim que nasceu em 1912 a Nação de Amburaxó, na área conhecida como Jaqueira da Cebolinha, que atualmente dá nome ao Largo do Anjo-mau.

A Nação de Amburaxó, fundada por Miguel Arcanjo, que também era o pai-de-santo, se diferia dos demais terreiros por ter uma doutrina mais aberta. “Era mais fácil de aprender”, diz o filho-de-santo Eldon Araújo Laje, conhecido como Jijio, do Terreiro Insumbo Meian (Vila São Roque), localizado no Largo do Anjo-mau. Essa Nação se diferenciava das demais, como a Nação de Angola, a Nação Quêto, da Nação Jêji e da Nação Banto, entre outras coisas porque todos os seus cultos eram realizados do lado de fora, aos pés das árvores sagradas, que até hoje existem no espaço que circunda o posto médico e a 11a. Delegacia.  

É dessa linha do candomblé que Miguel Arcanjo vai formar seus discípulos e que mais tarde disputarão as terras do bairro: Miguel Rufino, Olga Santos (morena) e Pedro “duas cabeças” que criaram seus terreiros independentes.

Depois de formados seus discípulos, já sabedores da Doutrina amburaxó – pouco difundida, Miguel arcanjo Morre, em 1941, aos 81 anos de idade, vítima de um câncer de próstata. A sua morte se deu na casa de seus filhos-de-santo Cazuza e Morena. Deixou como Herdeiras legítimas de suas terras, Caetana Angélica de Souza e Guilhermina Angélica de Souza. Como herdeiro do cargo de pai-de-santo ficou o seu filho-de-santo Manoel Jacinto.

Um pouco antes de falecer, Miguel Arcanjo adquiriu alguns pedaços de terra, entre esses ao Senhor José Evangelista de Souza (seu Cazuza). Esta  área ia até o atual fim de linha do Tancredo Neves.  Seu Cazuza  se casaria, posteriormente,  com uma irmã-de-santo Olga Santos (Morena). Após a morte de “Seu Cazuza”, seus filhos tentaram impedir que se cumprisse uma promessa feita por ele a Obaluaiê, que certa feita o salvou de uma picada de cobra e também era o guia de Morena. Na área prometida ao santo para a fundação do seu terreiro. Foi neste espaço que morena, agora mãe de santo, fundou o terreiro Insumbo Meian (encontro de Obaluaiê com as águas doces) na Baixa do Cabula, hoje situado, próximo ao Largo do Anjo-mau, cujo filho-de-santo Eldon, responsável por uma pesquisa para formação de um acervo com a história do Bairro, revitaliza a cultura negra.  Após a morte de Mãe-Morena, o cargo passou para Nair Oliveira de Souza (Oju Oyá), filha de seu Cazuza, e logo depois foi empossada Jacira Oliveira de Souza Brito (Yatomin), primeira mãe-de-santo eleita como a sua sucessora ainda em vida, lançando um processo de escolha totalmente novo e mais democrático, evitando disputas.

Entre os anos de 1938 e 1944,  Miguel Arcanjo de Souza moveu uma ação de despejo contra Manoel Cyriaco, que não vinha pagando seus honorários das terras arrendadas. O caso só foi resolvido anos mais tarde com a expedição de mandato de reintegração de posse das terras. Após tantas disputas, em 1979, o então governador do Estado da Bahia, Antônio Carlos Magalhães resolveu desapropriar todos os herdeiros das terras do Beiru, tirando a posse de todas as terras em detrimento da instalação de um projeto de urbanização da área. Foram entregues, simbolicamente, cerca de 600 títulos de doação de terreno referentes ao projeto, o que mereceu a manchete “Moradores do Beiru receberam terrenos em clima de festa”, veiculado no Correio da Bahiam em 18 de Dezembro de 1980.  Cerca de seis anos depois o então Governador da Bahia, João Durval, implantou o projeto que beneficiaria cerca de 80 mil moradores o projeto Beiru, que visava a urbanização, viabilizando a melhoria das moradias, do acesso, infra-estrutura, saneamento, o que daria ao Tancredo Neves sua atual configuração.

Quem foi Preto Beiru?

Para alguns era um feitor encarregado de zelar pelas terras de uma fazenda onde eram as nossas casas, impedindo que aqueles mais pobres fizessem suas rocinhas ou casinhas. Dizem também que é nome feio em nagô. O tempo se encarregou de apagar da memória da comunidade o porque ter o nome de beiru.[1]

Mas o fato é que hoje o bairro, representado pelo nome de um ex-presidente, diga-se de passagem branco, ainda sofre.. Atualmente o Tancredo Neves conta com uma população de cerca de 180 mil habitantes, e já tem um desmembramento muito famoso, que é o Arenoso. Hoje conta com um comercio próprio, rede transporte, pavimentação, serviço de esgotamento, delegacias, linhas de ônibus.

Mas nem sempre foi assim. Demorou-se muito para que o bairro ganhasse sua atual configuração e processo de urbanização. Depois de muita luta é que foram feitas algumas melhorias, inclusive acabando com patrimônios que poderiam ter validade como patrimônio histórico, e oferecer recursos para estudos dos atuais moradores, como aconteceu com O terreiro de Miguel Arcanjo, que foi completamente destruído, excetuando-se as árvores sagradas dos cultos amburaxós, para a construção de um posto médico no local.

 


[1] Matéria veiculada pela Tribuna da Bahia em 29.05.85

 

FONTES CONSULTADAS:

A – Publicações

A Tarde –

Correio da Bahia –

GAP – Grupo Alerta Pernambués – Carta Aberta à Comunidade Religiosa.Salvador, 02.10.2001.

Tribuna da Bahia

Carta Aberta a Comunidade Religiosa, 02.10.2001, GAP –  Grupo Alerta Pernambués

B –  ACERVOS – Arquivo HIstórico Municipal  do Salvador:

 Jornais

Miguel Arcanjo de Souza –  Autuação N¨1041 – 1938-1944. Livro 1.

Acervo. Jornal A Tarde: 08.02.1985; 03.02,2001 – Jornal Tribuna da Bahia: 29.04.1985 – Jornal Correio da Bahia: 18.12.1980;  01.09.1986; 17.10.1986; 10.01.1987

A Tarde, 08/10/2001

Correio da Bahia, 08/10/2001

 

~ por jornaldobeiru em outubro 27, 2007.

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